24/02/2009

EXPRESSOS


Estranho, né?, ela disse.
O que é estranho?, ele respondeu.
Nós dois aqui...eu simplesmente entrei e...veja só.
Coincidência, ele completou, simpático.

As mãos dela entrelaçadas, nervosa.
Ele olhou o relógio. A chuva havia diminuído. Estava com pressa.
Ela o observava. O expresso havia esfriado. Estava carente.
Naquela manhã um temporal duplicara o caos já diário da cidade. Véspera de feriado, trânsito lento, metrô lotado. Pessoas que, incansavelmente, caminhavam pelas ruas protegidas sob preciosos guarda-chuvas – o que não as livrava de encharcar sapatos em imensas poças d’água nas calçadas, bueiros entupidos pelo lixo urbano e pela própria chuva – que vinha de todos os lados. Ela entrou na cafeteria. Trazia consigo a solidão de uma vida, um semblante sério e a certeza de que aquele temporal acontecia apenas para castigá-la. Sentou-se no fundo, pendurou o casaco molhado na cadeira ao lado, pediu um expresso. O reflexo dos raios que caíam iluminava vez ou outra sua face, denunciando a contrariedade em seu rosto. Algumas quadras dali, do alto de um confortável apartamento, ele observava o céu, cada vez mais escuro. O vento soprava forte, espatifando-se contra a imensa porta da sacada. Rapidamente arrumou-se, beijou a esposa que ainda dormia e saiu. Previa uma estada mais longa pelo trânsito da cidade. Assim foi: quinze minutos após, já dentro do carro, tentava concentrar-se na suave melodia que colocara no som do automóvel – não queria absorver para si o tumulto do engarrafamento. Mas a cidade estava parada. Pensou em tomar um café, mas essa não era uma atividade costumeira. Só estacionou naquela garagem ao lado da simpática cafeteria porque uma placa sinalizava, em letras garrafais, que sobravam vagas. Ninguém parecia perceber isso. Ele percebeu.

Foi dentro do café que eles se olharam. Acima da chuva e do transtorno, havia o olhar, acompanhado pelo barulho dos pingos d’água que batiam contra a janela. Foi ela quem sorriu primeiro. Perguntava-se de onde tirara forças para mover os lábios e fixar o olhar na direção daquele homem. Ele retribuiu. Ela, no fundo. Ele, no balcão. Ela saboreava o expresso quando o viu. Ele procurava um lugar para sentar quando a percebeu sorrindo. Estranho momento. Caminho do trabalho, uma manhã. Uma manhã comum, como tantas. Como todo dia. Exceto pelo temporal. Exceto pelo sorriso dela. Ele achou graça. Com o cardápio na mão, pediu um expresso, enquanto observava a mulher simpática ao fundo. Foi ela quem acenou para ele sentar junto dela. Afinal, ela estava só. Sempre estaria. Não fossem as mesas ocupadas. Ele olhou ao redor. Foi. Apresentaram-se, trocaram amenidades. Falaram da chuva, do caos. Até dos bueiros entupidos. Ele falou sobre o quanto não era acostumado a tomar café, sobre o sapato molhado pela chuva. Ela não o olhava nos olhos, baixava a cabeça escutando-o falar sobre tudo. Percebeu os sapatos dele, encharcados. Era uma manhã de chuva. Ela, indescritivelmente solitária. Ele, com frio nos pés. E de repente, emudeceram. Só o barulho da chuva. Os pingos na janela.

Ela: Pode me falar mais sobre você? Há quanto tempo mora na cidade?
Ele, olhando o relógio: Bastante tempo...Olha, tenho que ir.
Ela, tentando salvar a si própria: Significou algo para você?
No mesmo instante, arrependeu-se da fala. Foi quando percebeu a aliança de casamento dele.
Ele, sem entender: Eu...
Ela, rindo, triste: Tudo bem. Também não significou pra mim.

Levantou-se. Olhou nos olhos dele, pela primeira vez. E saiu.
O olhar dele a acompanhou até a porta.
Ela foi embora. Ele também.
O dia seguiu. A chuva deu trégua.

3 comentários:

Luis Filipe disse...

demorei um pouco para ler o texto, mas gostei muito.
é legal as vezes falar sobre os encontros que a vida nos proporciona.

Jan Ribeiro disse...

Encontros e desecontros a vida.... Já aconteceu algo parecido comigo, morro de rir quando lembro!

=P

Carla Arend disse...

odeio isso,
de mentir que não significou.