01/09/2009

SOBRE ESCOMBROS ou A ARTE DE SER FELIZ*

Casal soterrado após terremoto.Penumbra, quase escuridão completa. Ouvem-se vozes.

ELE, com dificuldade – Amor?
ELA, sem forças – Ai, minha perna tá presa...
ELE – Estamos perto. Segura aqui...pega a minha mão!
ELA – Pronto, peguei!
ELE – Agüenta firme.
ELA – Que bom que você tá aqui comigo...
ELE – Na alegria e na tristeza. Na riqueza e na pobreza. Na saúde e na doença...e embaixo de um prédio desabado também.

Não era o momento mais apropriado. Mas, eles riram.

ELA – Lembra do dia em que a gente se conheceu?
ELE – Sim...era quase tão apertado quanto agora...
ELA, sorrindo – O metrô tava lotado...(ela tosse)
ELE – Você tá bem?
ELA - Sim, mas acho que engoli alguma coisa....deve ser poeira.
ELE, retomando o papo - Achei ótimo quando você parou na minha frente. Fiquei te olhando...(ele sorri). E a perna?
ELA – Tá um pouco dolorida. Não solta a minha mão.

Passam-se duas horas.

ELE – Será que vão achar a gente?
ELA – Não sei. Coisa de cinema, né? “Vivos”.
ELE – Já não fizeram um filme com esse nome? Eu vi, acho...
ELA – Prefiro o “Titanic”.
ELE – Não tem um apito aí? Podia apitar, como a Kate Winslet fez. Talvez alguém escutasse.
ELA – Bobinha ela. Devia ter afundado com o Di Caprio.
ELE – Eles foram tão felizes juntos.
(silêncio)
ELA – Nós...somos...tão felizes juntos.
ELE – Não solta minha mão...

Já não havia mais tempo. Foram encontrados dias depois, de mãos dadas.


*Texto produzido para o Curso de Formação de Escritores do SESC/SC.